Nossa digestão é realizada em uma área cem vezes maior do que nossa pele. Isso parece muito desproporcional para uma pequena porção de batata frita ou uma única maçã. Mas é justamente disto que se trata em nosso abdômen: aumentamos a nós mesmos e diminuímos tudo que é estranho até ele se tornar minúsculo o bastante para conseguirmos absorvê-lo e transformá-lo em uma parte de nós.
Nossa energia depende da nossa digestão!
Vamo entender?
Então vamos nessa!
ONDE TUDO COMEÇA
É na boca que começamos a fazer isso. Uma mordida na maçã só parece suculenta porque, com nossos dentes, estouramos muitos milhares de células da fruta como se fossem balões.
Quanto mais fresca estiver a maçã, mais células estarão intactas; por isso, as mordidas barulhentas nos parecem mais confiáveis.
Assim como gostamos do frescor crocante, também preferimos alimentos aquecidos, ricos em proteínas. Bifes, ovos mexidos ou tofu assado nos parecem mais apetitosos do que carne crua, ovos moles ou tofu frio. Isso também está ligado ao nosso entendimento intuitivo.
No estômago, um ovo cru sofre o mesmo que na frigideira: a clara fica branca, a gema adquire um tom pastel, e ambas se coagulam. Se vomitarmos após um tempo suficientemente longo, o resultado será algo muito parecido com um ovo mexido, e isso sem nenhum aquecimento.
Sobre a boca do fogão, as proteínas reagem exatamente como ao ácido gástrico – elas se desdobram. Sua estrutura não é tão inteligente a ponto de permitir, por exemplo, que se dissolvam em clara; ao contrário, apresentam-se em fragmentos brancos. Assim, tanto no estômago quanto no intestino delgado podem ser decompostas de maneira muito mais simples.
Portanto, cozinhar poupa-nos de toda a primeira carga de energia, que, do contrário, o estômago teria de gastar para “desdobrar” as proteínas, e, desse modo, é a parte terceirizada da nossa digestão.
A ÚLTIMA REDUÇÃO DO ALIMENTO
A última redução do alimento que consumimos ocorre no intestino delgado. Logo no começo, há um pequeno orifício na parede do intestino, a papila. Ela lembra um pouco os pequenos pontos de salivação na boca, mas é maior.
Através dessa minúscula abertura, nossos sucos digestivos são esguichados no bolo alimentar.
Assim que comemos alguma coisa, eles são produzidos no fígado e no pâncreas e, em seguida, fornecidos às papilas. Contêm os mesmos componentes dos sabões em pó e detergentes que encontramos no supermercado: enzimas digestivas e solventes de gordura.
O sabão em pó age contra as manchas porque, por assim dizer, “digere” na roupa as substâncias gordurosas, que contêm proteínas ou açúcar, e levam-nas embora quando são esfregadas e enxaguadas.
O que ocorre no intestino delgado é bem parecido. Só que nele, em comparação, são dissolvidos pedaços gigantescos de proteína, gordura ou carboidratos, para que possam chegar ao sangue através da parede intestinal.
Um pedacinho de maçã transforma-se em uma solução nutriente feita de muitos bilhões de moléculas energéticas. Para absorver todas, é necessária uma superfície extensa – sete quilômetros de comprimento são o ideal.
Assim, ainda sobra uma zona de segurança caso haja inflamação no intestino ou se pegue uma gripe intestinal.
TRAJETÓRIA DO ALIMENTO
Em cada vilosidade do intestino delgado encontra-se um minúsculo vaso sanguíneo, que é alimentado com as moléculas reabsorvidas. Todos os vasos do intestino delgado confluem para o fígado e o percorrem.
O fígado examina nosso alimento em busca de substâncias nocivas e tóxicas e as aniquila antes que cheguem à nossa grande corrente sanguínea. Se comemos demais, é nele que se deposita a primeira reserva de energia.
Do fígado, o sangue nutritivo parte diretamente para o coração. Do coração, é bombeado com força para as muitas células do corpo. Uma molécula de açúcar desembarca, por exemplo, em uma célula da pele no mamilo direito, onde é absorvida e queimada com oxigênio.
Ao mesmo tempo, produz-se energia para manter a célula viva, e como produtos secundários surgem calor e minúsculas quantidades de água. De modo geral, isso acontece em tantas pequenas células ao mesmo tempo, que mantemos uma temperatura constante de 36°C a 37°C.
O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO NOSSO METABOLISMO ENERGÉTICO – DIGESTÃO
O princípio fundamental do nosso metabolismo energético é simples: para que uma maçã amadureça, a natureza consome energia. Os seres humanos, por sua vez, fragmentam a maçã e a queimam em seguida até o nível das moléculas.
Utilizamos a energia liberada para viver. Todos os órgãos que surgem a partir do tubo intestinal podem fornecer material combustível para as nossas células. Nossos pulmões também absorvem moléculas a cada respiração.
“Respirar” significa, por assim dizer, “absorver alimento gasoso”. Boa parte do nosso peso corporal resulta dos átomos respirados, e não apenas de uma salada. As plantas chegam a retirar do ar, e não da terra, a maior parte do seu peso.
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Portanto, guardamos energia em todos os nossos órgãos – e somente no intestino delgado recebemos alguma coisa em restituição. Isso transforma a comida em uma atividade de recompensa.
No entanto, não se pode esperar um impulso de energia logo após a ingestão do último pedaço de comida. De fato, muitas pessoas ficam até cansadas. A comida ainda não chegou ao intestino delgado; está presa em meio aos preparativos da digestão. A fome já foi embora, pois o estômago se expandiu com a comida, mas estamos tão moles quanto antes de comer e precisamos obter mais energia para a mistura e a fragmentação.
Ao mesmo tempo, uma boa quantidade de sangue flui por nossos órgãos da digestão. Por isso, muitos cientistas partem do princípio de que nosso cérebro fica cansado com a menor circulação de sangue.
OUTRAS EXPLICAÇÕES PARA O CANSAÇO PÓS REFEIÇÃO – DIGESTÃO
Alguns especialistas afirmam: “Se todo o sangue da cabeça estivesse no abdômen, morreríamos ou desmaiaríamos.”
De fato, há outras causas possíveis para o cansaço depois de uma refeição. Determinados sinais químicos, que liberamos quando estamos satisfeitos, podem estimular áreas do cérebro que nos deixam cansados.
Talvez o cansaço resultante desse trabalho perturbe nosso cérebro, mas nosso intestino delgado o acha ótimo. Ele pode trabalhar com a máxima eficiência quando estamos confortavelmente relaxados, pois é quando a maior parte da energia está à sua disposição e o sangue não está repleto de hormônios do estresse.
Em matéria de digestão, quem gosta de ler tranquilamente um livro é mais bem-sucedido do que um executivo tenso.
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REFERÊNCIA:
O discreto charme do intestino, Enders G. Umfmartinsfontes, São Paulo, 2015.